sábado, 21 de junho de 2025

crônica da semana - remador

 Remador, remador

O verso nos alerta: o poeta é um fingidor. E neste causo, o é também, o remador.

Uma aventura aquela. É dos meus tempos fabulosos em Altamira. Contado está que tinha minha atividade de campo, uma equipe numerosa, convivências e cumplicidades. Em outras paragens narradas também contei que no meu plano de trabalho constava um plantão no fim de semana, na frente de operação, a cada quinze dias. De ritmo diferente, carga reduzida. Turma pela metade. Fazíamos uma atividade complementar, sem exigir muito da galera. Com jornada que não varava um período, de forma que, pra banda da tarde, estava todo mundo no pano (que era o código para definir a esticada na rede ou, que seja, dar-se ao lazer e ao descanso merecido). E só pra não ficar assim que era no melzinho, a carga reduzida, o ritmo mais abrandado que falo era resgatar as amostras da semana deixadas ao longo das picadas e isso significava pelo menos duas viagens aos estirões, e transportar para o acampamento, nas costas, quantas amostras (de 20kg cada) fossem possíveis. Era na base da, como se pronunciava por lá, ‘empeleita’. Tinha um ousado que para dar só uma viagem e acabar cedo, trazia quatro, cinco amostras de uma vez, isso em distâncias beirando os 5km, subindo e descendo ladeira, na mata.

Deixa estar que num desses plantões, tudo se resolveu cedo, equipe almoçou, se aninhou nos panos e deu aquela relaxada. Com pouco mais, bateu a cuíra. E quando a patota fica inquieta, arruma coisas pra fazer. Uns descem com anzol e linha para o rio arriscar pegar um tucunaré, outros desafiam quem parte mais lenha no machado, os boleiros procuram competir no futebol, em vazios na mata arremedando campinhos. Dessa feita, me aliei a aventureiros e me enxeri a explorar o Xingu até um sítio arqueológico que ficava no trecho encachoeirado, logo acima do nosso acampamento. Na canoa a remo.

E eu não remo nada. Até Paysandu sou.

O ponto em que estávamos era uma lagoinha, apartada por uma ilha, de um segmento estreito do Xingu, que no verão chegava a 70m de largura. Formava uma corredeira de alta velocidade e muita turbulência. Exigia cuidado redobrado na navegação. Nosso rumo era acima deste trecho. Contornamos a lagoa, demos no remanso. Agora, ‘mire e veja’, bem cima do estreitinho brabo, o Xingu se abria numa imensidão de margem a margem. Coisa de quilômetros, estimo. Essa amplitude explica o alvoroço abaixo. Imagine-se a água que passa em quilômetros, ter que passar numa brecha de 70 metros de largura. É fluxo convulsionado.

Rumamos pra riba, no largo, com cuidado no remo para não embicarmos pro apertado adiante abaixo. Quando falo assim, no sujeito plural, é só mentira de poeta. Verso sem rima. Fake. Não remava era piriricas nenhuma. Éramos três na canoa. Só os outros dois remavam. Eu só fazia menção. Só pose. Tirei até foto, com minha Olympus Trip 35, manobrando o remo e de cigarro estilizando um sorriso de canto de boca. Lorota. Revelo que os meninos pediam até que eu nem enfiasse o remo na água para não atrapalhar. Estávamos na corrente que levava à corredeira braba e qualquer falha, poderíamos perder o controle e sermos arrastados. Depois dessa dica, fiquei ‘estaltinha da silva’.

Um dos condutores da canoa era o Leonel, personagem pra lá de simbólico da cultura ribeirinha. Uma horinha dessas, volto aqui pra falar só dele. Era encantado. Ele sim, remava só na caté. Liderou a navegação e nos levou até aquela maravilha que era constituída de um acúmulo desordenado de blocos rochosos lavado aqui, ali por poderosas corredeiras, e a maioria dos blocos exibindo pinturas rupestres.

Botei pra chulear nas fotos. Delas, acho que sobrou apenas um registro, as outras não resistiram às intempéries. Na foto que sobreviveu, estou ao lado de uma gravura ancestral. Esta comprova este meu relato. A foto que, dizque, estou remando, de tão poeticamente fingidora que era, virou almoço de cupim.

 

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