Remador, remador
O
verso nos alerta: o poeta é um fingidor. E neste causo, o é também, o remador.
Uma
aventura aquela. É dos meus tempos fabulosos em Altamira. Contado está que
tinha minha atividade de campo, uma equipe numerosa, convivências e cumplicidades.
Em outras paragens narradas também contei que no meu plano de trabalho constava
um plantão no fim de semana, na frente de operação, a cada quinze dias. De
ritmo diferente, carga reduzida. Turma pela metade. Fazíamos uma atividade
complementar, sem exigir muito da galera. Com jornada que não varava um
período, de forma que, pra banda da tarde, estava todo mundo no pano (que era o
código para definir a esticada na rede ou, que seja, dar-se ao lazer e ao
descanso merecido). E só pra não ficar assim que era no melzinho, a carga
reduzida, o ritmo mais abrandado que falo era resgatar as amostras da semana
deixadas ao longo das picadas e isso significava pelo menos duas viagens aos
estirões, e transportar para o acampamento, nas costas, quantas amostras (de
20kg cada) fossem possíveis. Era na base da, como se pronunciava por lá,
‘empeleita’. Tinha um ousado que para dar só uma viagem e acabar cedo, trazia
quatro, cinco amostras de uma vez, isso em distâncias beirando os 5km, subindo
e descendo ladeira, na mata.
Deixa
estar que num desses plantões, tudo se resolveu cedo, equipe almoçou, se
aninhou nos panos e deu aquela relaxada. Com pouco mais, bateu a cuíra. E
quando a patota fica inquieta, arruma coisas pra fazer. Uns descem com anzol e
linha para o rio arriscar pegar um tucunaré, outros desafiam quem parte mais
lenha no machado, os boleiros procuram competir no futebol, em vazios na mata
arremedando campinhos. Dessa feita, me aliei a aventureiros e me enxeri a
explorar o Xingu até um sítio arqueológico que ficava no trecho encachoeirado,
logo acima do nosso acampamento. Na canoa a remo.
E
eu não remo nada. Até Paysandu sou.
O
ponto em que estávamos era uma lagoinha, apartada por uma ilha, de um segmento
estreito do Xingu, que no verão chegava a 70m de largura. Formava uma
corredeira de alta velocidade e muita turbulência. Exigia cuidado redobrado na
navegação. Nosso rumo era acima deste trecho. Contornamos a lagoa, demos no
remanso. Agora, ‘mire e veja’, bem cima do estreitinho brabo, o Xingu se abria
numa imensidão de margem a margem. Coisa de quilômetros, estimo. Essa amplitude
explica o alvoroço abaixo. Imagine-se a água que passa em quilômetros, ter que
passar numa brecha de 70 metros de largura. É fluxo convulsionado.
Rumamos
pra riba, no largo, com cuidado no remo para não embicarmos pro apertado
adiante abaixo. Quando falo assim, no sujeito plural, é só mentira de poeta.
Verso sem rima. Fake. Não remava era piriricas nenhuma. Éramos três na canoa.
Só os outros dois remavam. Eu só fazia menção. Só pose. Tirei até foto, com
minha Olympus Trip 35, manobrando o remo e de cigarro estilizando um sorriso de
canto de boca. Lorota. Revelo que os meninos pediam até que eu nem enfiasse o
remo na água para não atrapalhar. Estávamos na corrente que levava à corredeira
braba e qualquer falha, poderíamos perder o controle e sermos arrastados.
Depois dessa dica, fiquei ‘estaltinha da silva’.
Um
dos condutores da canoa era o Leonel, personagem pra lá de simbólico da cultura
ribeirinha. Uma horinha dessas, volto aqui pra falar só dele. Era encantado.
Ele sim, remava só na caté. Liderou a navegação e nos levou até aquela
maravilha que era constituída de um acúmulo desordenado de blocos rochosos
lavado aqui, ali por poderosas corredeiras, e a maioria dos blocos exibindo
pinturas rupestres.
Botei
pra chulear nas fotos. Delas, acho que sobrou apenas um registro, as outras não
resistiram às intempéries. Na foto que sobreviveu, estou ao lado de uma gravura
ancestral. Esta comprova este meu relato. A foto que, dizque, estou remando, de
tão poeticamente fingidora que era, virou almoço de cupim.
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