Louça é coisa que rende
Corre
à larga que eu era amamãezado. Que por ser o único homem na família, tinha uns
descontos, contava com vantagens, no dia a dia, sobre minhas irmãs. Em tudo. É
uma opinião que reconheço, mas que não representa toda a verdade. Ali pela
infância, adolescência, mamãe nos tratava por igual. Tudo era dividido no justo
das partes. Não cozinhávamos, mas o resto, de um tudo fazíamos. Toda a
filharada tinha que estudar e apresentar notas boas. E se houvesse oportunidade
de ganhar um dinheirinho para a ‘intera’, o time todo ganhava as ruas nas
vendas.
Talvez,
lá pelos caminhares dos anos 80, período que passava tempos longe de casa, sim.
Por essa época era tratado como reizinho quando varava por aqui. Digo até que
ficava sem jeito com tanto zelo, com mamãe andando atrás de mim pela casa
querendo saber se eu queria um isso, se precisava de um aquilo, se me aprazia
tal aquel’outro. Não dispensava mamãe, mas tentava uma esquiva, despistava, o
que não a desestimulava das missões de agrado. Nem me cabia aquela atenção
toda. Vivia no trecho. Bem dizer sozinho. Tinha a rotina e o costume da solidão
e suas regras. É bem verdade que minhas precisões tinham sempre um agente nas
respostas, sem que o meu esforço fosse necessário. Em todos os lugares que
morei, havia o suporte das empresas que me contratavam. Então, eu não arcava
com as obrigações de moradia, alimentação, lavagem de roupa, essas coisas que
pautam a vida no comum dos dias. Resultava que, ao chegar em casa, realmente eu
me via num descompasso, sem ritmo ou tino para fazer as coisas. Esperava o
apoio das meninas, da mamãe, nos dias em que eu por aqui charlasse de férias ou
por motivos outros. Naquela época se me desafiassem a fritar um ovo ou lavar
uma meia, não dava conta não. Por essa ocasião, ganhei a fama de ser dado a
paparicos.
Depois,
com a minha família constituída, as crianças crescendo e estabelecido com
trabalho em Barcarena, sem mais viajar, fui tomando termo. Na fase em que
trabalhei de turno e tinha dias ou parte dos dias livres, cheguei a assumir
algumas prendas e a ensaiar talentos (ainda que sob o salgadérrimo e calórico pecado
do macarrãozinho com salsicha). Mas veio o tempo de translado para Belém, e do
meio pro fim, não parava em casa. A minha vida era atravessar essa baía de
manhãnzinha e só voltar à noite. Ganhei novamente distância dos desafios do
lar. Perdi a dimensão de um piqueirão de louça pra lavar.
E
como se lava louça né. É atividade-fim que não cessa numa casa. Foi-não-foi a
pia tá cheia. Constatei a intensa dinâmica do lar, especialmente da cozinha,
por agora, quando descalcei as botas. Sou, do ano passado pra cá, o mais
presente em casa; e controlador absoluto do meu tempo. Ante minha disponibilidade
assumi os afazeres do lar. Até uma hora da tarde, observo (sempre fui contra
esse negócio de trabalhar debaixo do solão que faz além do meio-dia. É
desumano. Minha tabela não compreende virar torresminho na véspera belemense).
Faço de um tudo e numa ordem. Primeira parte da jornada é a limpeza da casa.
Inspira-me a lembrança de quando eu trabalhava e a moça da limpeza fazia o
roteiro do meu prédio. Procuro fazer do mesmo jeitinho, usando os mesmos
equipamentos e produtos. No mesmo horário e todo santo dia.
Depois
de descansar um pedacinho, parto para as artes na cozinha.
Daquele
filho despreocupado ou do pai provedor sem tempo, quero agora distância. Abraço
a causa e de forma tal que tenho lutado para ficar exclusivo nas criações
culinárias. Tem ocasião, que antes de me lançar às panelas, vejo alguns vídeos de
chefs e especialistas só para me certificar que vou garantir sucesso àquela
receita cá com o meu pendor.
Quando
acerto e rolam elogios aos meus pratinhos, fico é satisfeito. E animado a
conquistar de vera o controle da cozinha mesmo que para isso tenha que,
concessivamente, vencer a qualquer tempo (até depois de uma da tarde) o
piqueirão de louça. Porque, coisa que rende é louça na pia.