Como diz o outro
No
início de 1989, Altamira, no Pará, foi movimentada pelo “Primeiro Encontro dos
povos Indígenas do Xingu”. Eu estava lá. Foi naquela ocasião que conheci o
Ailton Krenak. Quer dizer, de ver assim de palmo em cima, não vi não, mas tive
acesso aos registros dele em fitas VHS que pintavam por lá, com destaque para aquele
discurso na tribuna do plenário, em que ele pinta o rosto e define a questão indígena
como pauta fundamental para o Congresso Constituinte.
(Eu
era, como diz o outro, a contradição dita e desdita ali naquela beira do Xingu.
O nosso pedaço amazônico aqui estava era convulsionado. Conflitos no campo se
avolumavam e a violência silenciara, no final no ano anterior, o deputado João
Batista, no Pará. No Acre a estrela Chico Mendes perdera o brilho também, às
vésperas do Natal de 1988. A bacia do Xingu chamava a atenção do mundo por
causa dos avanços para a construção da maior hidrelétrica 100% nacional do
Brasil. Quando em fevereiro as nações indígenas se reuniram em Altamira, o
clima estava pra lá de tenso. Havia uma fração da população bastante mobilizada
no combate à construção da barragem. Durante o encontro e um bom tempo além,
muitas manifestações se realizaram, muitos debates foram articulados exigindo a
paralisação dos estudos e, depois, da construção. Em tudo quanto era
manifestação eu estava. Uma indisciplina corporativa, uma negação de causa, já
que eu trabalhava no projeto. Mas, como diz o outro, perdido por um, perdido
por dez. Eu tinha lá minhas broncas com o modelo capitalista predador e
depredador dominante naquele empreendimento. Isso me custou. Peguei um gelo
daqueles, durante a mobilização indígena. Me deixaram de castigo no campo. A
vuca fervendo em Altamira e eu exilado no acampamento uns bons 50km de distância,
contados pela, à época daquele inverno amazônico e ainda assim hoje, lamacenta
e desafiadora rodovia Transamazônica. Por isso não vi o Krenak. Quando me
anistiaram, já foi no finzinho do movimento. Tuíre já havia plainado seu facão,
e o encontro institucional fora encerrado. Pela cidade resistiam ainda a lenda
Sting, uns globais, muitos gringos ditos renitentes ecologistas, jornalistas do
mundo todo e alguns poucos grupos Kaiapó daqui e dacolá do alto Xingu).
Mas,
como diz o outro, pra encurtar a história, depois daqueles anos fui prestar
reparo e ter a chance de ver de perto o Ailton Krenak, além de ativista incansável,
agora escritor premiado e imortal da ABL, na edição deste ano do Festival LED:
Luz na Educação. E aí sim, fiquei bem confronte dele.
Como
diz o outro, fiquei bestinha da silva de ver como a gente faz um juízo, e a
pessoa, na real, é outra coisa, outro espírito.
Tinha
na minha cabeça, um Krenak concentrado, sisudo, como se estivesse sempre
pintando o rosto com jenipapo e dando um ralho federal na malta de políticos de
Brasília. Mas quando! Fez um bate-papo com uma platéia atenta, entusiasmada, na
maior descontração, animado, brincalhão, riso fácil. Atencioso, percebeu que
pela disposição das cadeiras no palco, ficava de costas para uma parte do
público, pediu o apoio da mediadora, e toda vez que usava a palavra, girava a
cadeira e se dirigia também, ao povo do cantinho. Um fofo!
Devo notar que a organização do Movimento LED este ano, deu show e, ao contrário do ano passado, consegui, sem fila, o acesso para várias mesas. Fiz uma agenda para ver o Krenak e o professor Carlos Nobre, mas surgiu a vaga e acabei acompanhando pela manhã, o papo com a Fafá de Belém. Em um dos momentos da participação dela, a artista marcou a fala com a expressão “como diz o outro”. Usou um suporte de discurso antigo, já em desuso, que me levou lá longe às tardes nas calçadas da Pedreira, com minha mãe, minha avó, apreciando o movimento da rua e contando causos, enquanto eu pirilampava por perto, como diz o outro, só na mutuca, só prestando atenção, guardando lembranças...